São Paulo, bairro da Lapa, agosto de 2006, 7h15 da manhã. A caminho da casa da mãe, a professora Fátima Maria Moraes, de 48 anos, não podia imaginar que dali a poucos instantes seu dia estaria praticamente perdido. Enquanto dirigia, o celular tocou. O aparelho não estava a seu alcance, e sim dentro da bolsa, no banco de passageiro. Quando Fátima tentou alcançar o telefone, sentiu o baque da dianteira de seu Fiesta Street estampando o porta-malas de um táxi. “Posso me lembrar de que era uma chamada de minha mãe, mas não do que aconteceu naquele momento. Ainda bem que ninguém se machucou.” Sorte também foi ter o carro segurado. Do contrário, a professora desembolsaria 5000 reais para pagar os prejuízos. O susto levou Fátima a mudar seus hábitos. Agora, quando o celular toca, diz ela, estaciona o carro ou verifica quem ligou para retornar depois. “Antes eu só pensava na multa que receberia. Agora avalio a real razão do problema, a segurança”, afirma.
Desaceleração
Com o celular no ouvido, o motorista reage de forma mais lenta. Dificilmente olha para o retrovisor, assume uma trajetória errática na via e reduz ou ultrapassa a velocidade compatível com o tráfego. Avança o sinal, tem dificuldade para trocar marchas e simplesmente não vê as placas de sinalização no trânsito. Cada uma dessas situações já poderia desencadear um acidente. Agora imagine o potencial da combinação delas. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), por meio do artigo 252, considera o uso do celular infração de natureza média e estabelece multa de 85,13 reais e 4 pontos na carteira de habilitação.“Os motoristas sabem que se trata de uma infração, mas insistem em atender ao telefone por acreditar que isso não é nada de mais e vão desligar logo. A atitude pode mudar quando as pessoas reconhecerem que o que está em jogo é a vida delas e as de outras pessoas”, afirma o sociólogo e especialista em trânsito Eduardo Biavati.Os números comprovam a tese de Biavati. Na cidade de São Paulo, dirigir falando ao celular, em 2007, ocupou a quarta posição entre as infrações mais cometidas pelos motoristas. Foram 253000 multas, ou 6% do total de infrações, um aumento de 13% no total de multas aplicadas em comparação a 2006. E, no Rio de Janeiro, as mulheres são as que mais telefonam ao volante. Para cada 1000 habilitados do sexo feminino, há 11 infrações cometidas de uso do celular, contra oito do sexo masculino para cada 1000, de janeiro a outubro deste ano, ou 27,3% a menos.
Desaceleração
Com o celular no ouvido, o motorista reage de forma mais lenta. Dificilmente olha para o retrovisor, assume uma trajetória errática na via e reduz ou ultrapassa a velocidade compatível com o tráfego. Avança o sinal, tem dificuldade para trocar marchas e simplesmente não vê as placas de sinalização no trânsito. Cada uma dessas situações já poderia desencadear um acidente. Agora imagine o potencial da combinação delas. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), por meio do artigo 252, considera o uso do celular infração de natureza média e estabelece multa de 85,13 reais e 4 pontos na carteira de habilitação.“Os motoristas sabem que se trata de uma infração, mas insistem em atender ao telefone por acreditar que isso não é nada de mais e vão desligar logo. A atitude pode mudar quando as pessoas reconhecerem que o que está em jogo é a vida delas e as de outras pessoas”, afirma o sociólogo e especialista em trânsito Eduardo Biavati.Os números comprovam a tese de Biavati. Na cidade de São Paulo, dirigir falando ao celular, em 2007, ocupou a quarta posição entre as infrações mais cometidas pelos motoristas. Foram 253000 multas, ou 6% do total de infrações, um aumento de 13% no total de multas aplicadas em comparação a 2006. E, no Rio de Janeiro, as mulheres são as que mais telefonam ao volante. Para cada 1000 habilitados do sexo feminino, há 11 infrações cometidas de uso do celular, contra oito do sexo masculino para cada 1000, de janeiro a outubro deste ano, ou 27,3% a menos.
Em 2003, em reportagem de André Ciasca, QUATRO RODAS comprovou que dirigir e falar ao celular ao mesmo tempo compromete a atenção do motorista. No teste, seis pessoas dirigiram no autódromo de Interlagos, em São Paulo, e cinco delas atropelaram um boneco simulando um pedestre. Decidimos refazer a prova, mas em condições especiais. Para isso, convidamos a equipe do Laboratório de Usabilidade do Instituto de Pesquisas e Estudos Industriais do Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana (FEI), que convocou 15 voluntários, com idades entre 19 e 34 anos, para um exame diurno, reproduzindo uma situação de trânsito.
Cada motorista dirigiu o carro por um trajeto definido, com placas de sinalização de trânsito e obstáculos (veja infográfico na pág. 113). Durante o percurso, os voluntários recebiam uma ligação e atendiam encostando o aparelho no ouvido. Em seguida, faziam o mesmo percurso, mas com o recurso de viva-voz. O objetivo do teste era descobrir as falhas de quem utiliza celular ao volante e as possíveis distrações. O trecho percorrido foi preparado pela equipe da FEI, que também acompanhou o trajeto a bordo, filmou todos os detalhes e anotou observações sobre cada um dos participantes. Ao voltar do teste, cada um respondeu a um novo questionário em que admitiu – ou não – se houve atenção para realizar as duas tarefas ao mesmo tempo.
Algo curioso acontecia antes mesmo de o voluntário girar a chave para dar partida no carro: estar crente de que se tratava de uma atividade fácil, como o estudante Tom Mix Martini Petrecia, de 21 anos. “Não é tão complicado fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Eu sei que não é permitido, mas não vejo problemas”, disse, minutos antes do teste. Ele está longe de ser uma voz solitária. Mas, se a pergunta é feita de maneira isolada, as pessoas se mostram mais conscientes. Em enquete no site www.quatrorodas.com.br, realizada entre os dias 4 e 17 de novembro, 88% dos 1398 participantes disseram “Sim” para a pergunta “Você acredita que dirigir e falar ao celular ao mesmo tempo possa oferecer algum perigo no trânsito?” O voluntário Fernando José Gancelli Lima de Azevedo, de 23 anos, confirmou a percepção dos internautas após a prova na pista. Durante o teste, dirigiu em velocidade mais alta que a permitida, não respeitou a placa de “Pare” e atropelou as bolas, que eram os obstáculos do teste lançados na pista. Além disso, em vários momentos do trajeto ficou sem as mãos no volante. Após o ensaio, declarou: “Não prestei atenção nas placas. Definitivamente, traz riscos à segurança”.
O motorista está usando a audição e não a atenção dirigida para guiar o carro, afirma o neurologista Eduardo Genaro Mutarelli. “Dizer que é fácil fazer as duas coisas ao mesmo tempo não é verdade: o cérebro precisa fazer contas, calcular ações e desviar a atenção do controle visual e motor para o auditivo. As reações ficam mais lentas e isso propicia a ocorrência de acidentes. A audição é decodificada em uma área no cérebro e a visão, em outra. Ele faz duas coisas quando deveria fazer uma só”, diz Mutarelli. Quando dirigimos falando com alguém ao lado, também há risco, com a diferença de que o acompanhante pára de falar ao perceber um perigo iminente. Durante o teste, o estudante Leandro Valência Alves, de 20 anos, tirou as mãos do volante para explicar onde ficava o endereço que a pessoa do outro lado da linha requisitou, manteve o celular no colo durante o teste do viva-voz e atropelou as bolas nas duas vezes que foram lançadas. “O teste comprova que o motorista não presta atenção nas placas, não utiliza os retrovisores e deixa de usar seta”, disse o professor e pesquisador Plínio Thomaz Aquino Júnior, coordenador do Laboratório de Usabilidade da FEI. "Depois do teste, percebi que dirigir falando ao celular pode ser tão perigoso quanto dirigir alcoolizado.” Raphael Yoshio Shimizu, 20 anos, estudante
Atenção afunilada
O celular tocando desvia a atenção de quem está guiando e dá início ao procedimento de risco: a primeira ação do motorista quando o aparelho toca é procurá-lo. Para atender, será necessário o uso de uma das mãos. Se for colocado no ouvido, haverá restrição do campo visual.A Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) realizou um estudo com voluntários falando ao celular com viva-voz. Além dos fatores operacionais envolvidos, como os citados acima, existem os não-operacionais. Entre eles estão os psicológicos – como as emoções às quais o motorista pode ser submetido numa conversa, por exemplo, quando recebe uma má notícia – e os cognitivos – como alterações causadas por tarefas de elaboração e compreensão de frases, audição do que é falado e do toque do telefone, além do aspecto motor da fala, que se altera quando realizada em conjunto com outras tarefas complexas, como dirigir. “Durante o teste, concluímos que o tempo de reação do motorista ao celular aumenta 50%, o número médio de infrações também cresce 50% e o de acidentes triplica”, afirma Alberto Sabbag, diretor da Abramet.Um estudo da Universidade Carnegie Mellon em Pittsburgh, no estado americano da Pensilvânia, mostra que conversar no celular quando ao volante reduz a concentração de um motorista em até 37% levando-o a cometer erros semelhantes aos ocorridos quando se dirige alcoolizado. O estudo usou imagens de ressonância magnética do cérebro para documentar o efeito do simples ato de ouvir o interlocutor durante uma ligação.
Mensagem de alto risco
Se telefone e direção já formam uma combinação de risco, digitar uma mensagem ao celular potencializa o perigo. Quem tenta fazer isso tem que tirar as mãos do volante, se concentrar em um teclado minúsculo e ainda pensar na elaboração dos textos. Uma pesquisa realizada pelo instituto britânico Transport Research Laboratory (Laboratório de Pesquisas de Transporte) analisou 17 motoristas com idades entre 18 e 24 anos. Os resultados mostraram que o tempo de reação dessas pessoas foi 35% mais lento do que se estivessem totalmente concentradas na condução do veículo.
“Eu não acreditava que me sairia mal no teste. E me saí. Eu me distraí muito e optei por prestar atenção no percurso em vez de na conversa, mas não fiz bem nem uma coisa nem outra. Não dá para falar ao celular e dirigir ao mesmo tempo.” Marília Zaro Guiffa, 20 anos, estudante
Comparado ao efeito produzido pelo álcool (para o limite de bebida alcoólica na Inglaterra, que é de 80 miligramas de sangue), este chega a ser quase três vezes menos perigoso, uma vez que a substância reduz o tempo de reação em 12%. Para os usuários de maconha, a redução no tempo de reação foi de 21%. Os testes, conduzidos por especialistas da RAC Foundation, que trabalha com segurança dos motoristas, foram realizados em um simulador de direção e mostraram que, ao digitar uma mensagem no celular, o controle de pilotagem do motorista no momento em que precisa realizar uma ação é 91% pior.A professora Mariana Diniz Queiroz, de 27 anos, por sorte, é prova viva dessa manobra de risco. Bateu o carro em uma caçamba de entulho enquanto dirigia e enviava mensagens no celular. “Fui fazer uma curva à direita e não vi a caçamba que estava na esquina. A batida foi feia e me assustei bastante. Meu Fiesta ficou com a dianteira bastante amassada.”Para José Montal, diretor científico da Abramet, a melhor recomendação é desligar o celular ao assumir o volante. “Quando se guia um automóvel, entre 90% e 95% das informações necessárias para administrar riscos estão relacionadas à visão,” diz. Ao desviar o olhar para atender o celular ou tocar o visor do aparelho, o motorista inicia um vôo cego. “O celular distrai tanto que dificilmente o motorista consegue se lembrar do que aconteceu no trânsito, às vezes esquece até por onde passou”, afirma Montal.A prática mostra que só a maior fiscalização pode modificar um mau hábito, a propósito do que ocorreu com os cintos de segurança, que passaram a ser obrigatórios em 1998. No âmbito individual, impõe-se uma mudança cultural para que a ansiedade em se comunicar não se sobreponha à própria sobrevivência e à segurança de terceiros.
Celular cá, cela lá
Desde dezembro de 2007, usar celular ao volante pode dar cadeia na Inglaterra. A regra anterior era similar à nossa, mas as autoridades perceberam que as punições eram insuficientes para desencorajar motoristas a usar o celular enquanto dirigiam. Agora, quem insistir na prática pode ser condenado a pelo menos dois anos de prisão. As regras também stabelecem que a promotoria pode condenar os infratores por homicídio culposo e punir os motoristas com a pena máxima prevista pelo país, a prisão perpétua, caso seja confirmado que o veículo foi usado como uma arma.
Atenção afunilada
O celular tocando desvia a atenção de quem está guiando e dá início ao procedimento de risco: a primeira ação do motorista quando o aparelho toca é procurá-lo. Para atender, será necessário o uso de uma das mãos. Se for colocado no ouvido, haverá restrição do campo visual.A Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) realizou um estudo com voluntários falando ao celular com viva-voz. Além dos fatores operacionais envolvidos, como os citados acima, existem os não-operacionais. Entre eles estão os psicológicos – como as emoções às quais o motorista pode ser submetido numa conversa, por exemplo, quando recebe uma má notícia – e os cognitivos – como alterações causadas por tarefas de elaboração e compreensão de frases, audição do que é falado e do toque do telefone, além do aspecto motor da fala, que se altera quando realizada em conjunto com outras tarefas complexas, como dirigir. “Durante o teste, concluímos que o tempo de reação do motorista ao celular aumenta 50%, o número médio de infrações também cresce 50% e o de acidentes triplica”, afirma Alberto Sabbag, diretor da Abramet.Um estudo da Universidade Carnegie Mellon em Pittsburgh, no estado americano da Pensilvânia, mostra que conversar no celular quando ao volante reduz a concentração de um motorista em até 37% levando-o a cometer erros semelhantes aos ocorridos quando se dirige alcoolizado. O estudo usou imagens de ressonância magnética do cérebro para documentar o efeito do simples ato de ouvir o interlocutor durante uma ligação.
Mensagem de alto risco
Se telefone e direção já formam uma combinação de risco, digitar uma mensagem ao celular potencializa o perigo. Quem tenta fazer isso tem que tirar as mãos do volante, se concentrar em um teclado minúsculo e ainda pensar na elaboração dos textos. Uma pesquisa realizada pelo instituto britânico Transport Research Laboratory (Laboratório de Pesquisas de Transporte) analisou 17 motoristas com idades entre 18 e 24 anos. Os resultados mostraram que o tempo de reação dessas pessoas foi 35% mais lento do que se estivessem totalmente concentradas na condução do veículo.
“Eu não acreditava que me sairia mal no teste. E me saí. Eu me distraí muito e optei por prestar atenção no percurso em vez de na conversa, mas não fiz bem nem uma coisa nem outra. Não dá para falar ao celular e dirigir ao mesmo tempo.” Marília Zaro Guiffa, 20 anos, estudante
Comparado ao efeito produzido pelo álcool (para o limite de bebida alcoólica na Inglaterra, que é de 80 miligramas de sangue), este chega a ser quase três vezes menos perigoso, uma vez que a substância reduz o tempo de reação em 12%. Para os usuários de maconha, a redução no tempo de reação foi de 21%. Os testes, conduzidos por especialistas da RAC Foundation, que trabalha com segurança dos motoristas, foram realizados em um simulador de direção e mostraram que, ao digitar uma mensagem no celular, o controle de pilotagem do motorista no momento em que precisa realizar uma ação é 91% pior.A professora Mariana Diniz Queiroz, de 27 anos, por sorte, é prova viva dessa manobra de risco. Bateu o carro em uma caçamba de entulho enquanto dirigia e enviava mensagens no celular. “Fui fazer uma curva à direita e não vi a caçamba que estava na esquina. A batida foi feia e me assustei bastante. Meu Fiesta ficou com a dianteira bastante amassada.”Para José Montal, diretor científico da Abramet, a melhor recomendação é desligar o celular ao assumir o volante. “Quando se guia um automóvel, entre 90% e 95% das informações necessárias para administrar riscos estão relacionadas à visão,” diz. Ao desviar o olhar para atender o celular ou tocar o visor do aparelho, o motorista inicia um vôo cego. “O celular distrai tanto que dificilmente o motorista consegue se lembrar do que aconteceu no trânsito, às vezes esquece até por onde passou”, afirma Montal.A prática mostra que só a maior fiscalização pode modificar um mau hábito, a propósito do que ocorreu com os cintos de segurança, que passaram a ser obrigatórios em 1998. No âmbito individual, impõe-se uma mudança cultural para que a ansiedade em se comunicar não se sobreponha à própria sobrevivência e à segurança de terceiros.
Celular cá, cela lá
Desde dezembro de 2007, usar celular ao volante pode dar cadeia na Inglaterra. A regra anterior era similar à nossa, mas as autoridades perceberam que as punições eram insuficientes para desencorajar motoristas a usar o celular enquanto dirigiam. Agora, quem insistir na prática pode ser condenado a pelo menos dois anos de prisão. As regras também stabelecem que a promotoria pode condenar os infratores por homicídio culposo e punir os motoristas com a pena máxima prevista pelo país, a prisão perpétua, caso seja confirmado que o veículo foi usado como uma arma.
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