Em Tabuleiro do Norte, a incidência do mal de Gaucher é dez vezes maior do que no resto do mundo.
Tabuleiro do Norte é um município no interior do Ceará, localizado a 214 quilômetros de Fortaleza e incrustado no vale do rio Jaguaribe. Seria apenas mais uma cidade se não fosse uma descoberta feita recentemente - ali, a incidência da doença de Gaucher, uma alteração genética rara, é dez vezes maior do que a média nos outros lugares do planeta. Ela é caracterizada pela deficiência no funcionamento de uma enzima que atua no metabolismo da gordura dentro de um dos tipos de células de defesa do organismo (os macrófagos). Seus sintomas são aumento do fígado e do baço, anemia e dores ósseas. Atualmente, há dez casos na cidade. Isso significa que há um paciente a cada quatro mil pessoas. A estimativa mundial é de um doente a cada 40 mil indivíduos. "Por isso Tabuleiro passou a chamar a atenção da ciência", diz o médico Rigoberto Gadelha Chaves, especialista do programa Saúde da Família na cidade e responsável pelos cuidados a esses pacientes.
A explicação mais plausível para a alta concentração de casos remete ao passado. Os estudos indicam que a mutação genética encontrada em Tabuleiro está ligada a uma família de imigrantes portugueses de origem judaica que fundou a cidade, em 1690. A hipótese é que os dois irmãos que se estabeleceram no local tinham mutações nos genes. Eles se casaram com duas irmãs que portavam as mesmas alterações, transmitindo-as aos filhos. E assim os genes foram sendo retransmitidos, principalmente porque os membros da família mantiveram o costume de se casar entre si. As provas mais atuais dessa teoria são os resultados dos primeiros exames para a completa identificação de portadores, que começaram a ser feitos há pouco tempo. Eles mostram que a maior parte dos pacientes possui algum grau de parentesco e que a mutação que prevalece, entre mais de 100 tipos, é a encontrada em indivíduos de origem judaica. "Aqui a medicina revive a história", explica Chaves.
A presença de tanta gente com diagnóstico de Gaucher imprimiu um aspecto peculiar à cidade. Tabuleiro passou a conviver mais rotineiramente com termos como genética, DNA (material genético), enzimas, etc. Para chamar a população a participar dos estudos e conhecer doença, por exemplo, o médico Chaves foi visitar as escolas. Levou consigo um vídeo desenvolvido por ele próprio a partir de figuras extraídas de um gibi feito pela Genzyme, um dos fabricantes de remédios contra a doença.
E assim os conceitos entraram com força no vocabulário da cidade cearense, que também se tornou a única do mundo do mesmo porte a ganhar um centro de atendimento à doença, o Centro de Referência de Erros Inatos do Metabolismo de Tabuleiro. Ali a manicure e estudante Adrielly Costa, 21 anos, descobriu que é portadora do problema. "Hoje eu me sinto outra", conta, referindo-se ao sumiço da barriga inchada - uma das características físicas provocadas pela enfermidade , obtido por meio da medicação que recebe a cada 15 dias. Agora, a próxima novidade a chegar a Tabuleiro será um programa de aconselhamento genético destinado aos jovens. O médico Chaves quer alertá-los para as chances de transmissão da doença, como já sabe Elisiane Pereira, 14 anos, portadora e em tratamento há dois anos. "Sei que posso transmitir a meus filhos se me casar com outro que tenha a mutação", diz ela, ao lado do irmão, Elciane, 21 anos, também portador.
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