Parece que muitas vezes a vida nos diz que, tão certo como o sol nasce e se põe todo dia, há uma idade para cada coisa. A literatura nos indica o mesmo, seja em um dos mais maravilhosos inícios de um romance, como O Conto de Duas Cidades, de Charles Dickens, seja no redescoberto conto de Scott Fitzgerald O Curioso Caso de Benjamin Button. Ou nas Memórias Póstumas de Brás Cubas...
Mas a verdade é que, assim como os valores mudam de cultura para cultura e de tempos em tempos, a época certa para cada coisa também é um pouco relativa. Muitas de nossas avós e bisavós, para a alegria de boas e más famílias, casaram-se, aos catorze ou quinze anos, com bigodudos senhores na casa dos vinte e muitos ou dos trinta e tantos. Pedofilia da boa. Ser balzaquiana hoje ou no começo do século XX, definitivamente, são coisas bem diferentes.
E isso faz pensar naquela frase: "Fulana (ou fulano...) é como vinho, quanto mais velho, melhor." Ledo engano. Somente vinhos muito especiais são tão longevos. E mesmo estes, fatalmente, têm um horizonte finito. Em geral, são mais raros entre os brancos e mais frequentes entre os tintos e os generosos, a depender dos taninos, dos açúcares e do álcool.
O vinho, os livros não se cansam de ensinar, é algo vivo. Nasce, evolui e decai. Alguns vinhos ficam doentes. Outros com sorte são bem educados, conservados e apreciados. Alguns, raros, brilham intensamente. A maioria cumpre sua função. Já conhecemos este filme. Humano, demasiado humano.
Se há algo que o vinho pode ensinar é que, entre sua juventude e o declínio absoluto, sempre haverá quem o aprecie. Aí sim caberia a comparação com uma mulher. Há os fãs das ninfetas como há os apreciadores das maduras. Aquelas, como um vinho jovem, pela alegria, a facilidade e o descompromisso. Estas, pela complexidade e elegância.
O perfil do apreciador depende de vivência, formação e um bom tanto de gosto pessoal. É óbvio o quanto o gosto do crítico Robert Parker ajudou a formar um vinho de mercado. Não vai aqui uma crítica a isso. Siga-o quem quiser. Um tinto jovem, bem aromático, encorpado, alcoólico e frutado é, com certeza, mais palatável e até mais impressionante ao iniciante ou ao bebedor despreocupado. Que tranquilidade poder reconhecer aquele aroma de baunilha ou de frutas vermelhas de um tinto do novo mundo! A maciez que o alto grau alcoólico traz ao palato, assim como uma suave doçura, são um conforto inegável. Já um tinto que se abre aos poucos, revelando aromas mais complexos e muitas vezes pouco óbvios, pode interessar mais ao curioso com uma boa intuição ou a quem já viveu para ver o que vale ser visto e bebido, justamente pelo desafio.
A história sobre comércio e consumo de vinho está cheia de registros sobre o combate ao que podemos chamar de pedofilia enológica. Durante séculos, o que o homem procurava era acelerar o amadurecimento para amaciar os taninos. Convivíamos mais naturalmente com a morte e pensar em guardar uma boa safra para beber em 10 ou 20 anos não parecia uma coisa muito inteligente. Mas a tecnologia não permitia a produção de tintos para consumo muito jovem, como atualmente é possível. Hoje, o americano Robert Parker diz que nós consumidores comuns não precisamos mais de adegas. Devemos comprar os vinhos e bebê-los imediatamente. (Claro. Se os queremos jovens!)
O livro Os Sentidos do Vinho, de Matt Kramer (Conrad Editora), que inexplicavelmente passou meio desapercebido quando do seu lançamento por aqui, há uns dois anos, desmonta vários dos mitos sobre a longevidade e o amadurecimento dos vinhos. O autor enumera equipamentos inventados para tentar, através da vibração, "melhorar" safras difíceis. Fala de barricas dando volta ao mundo como lastro de navios ou sendo amarradas às pás de moinhos.
Toda essa reflexão me veio ao ler o editorial da ótima Revista de Vinhos, uma publicação portuguesa com mais de 20 anos de tradição. Ao concordar com Parker e seu "beba já" no caso dos vinhos na faixa dos 4 euros (preço português, que fique claro. Eu diria R$ 40, no Brasil), a revista faz uma grande crítica aos tintos de maior pretensão, lá pela faixa dos 20 euros. Diz: ¿Estes vinhos têm uma evolução mais complexa e, sobretudo, mais imprevisível. Começa por, hoje em dia, serem colocados no mercado muito rápido, por vezes ainda 'crus', 'embrulhados', pouco harmoniosos... Vendidos cedo demais, estes vinhos são, na maior parte dos casos, bebidos igualmente cedo demais. Mas quando o apreciador evita consumi-lo logo, e assume que o vinho merece algum descanso em garrafa, coloca-se de novo o problema: até onde ir?"
Neste ponto me parece que o modelo espanhol clássico é dos mais sensatos. Ao utilizar as categorias jovem, crianza, reserva e gran reserva, o produtor sinaliza, com mais ou menos precisão, dependendo da região, quanto tempo de espera em madeira (se for o caso) e garrafa cada vinho teve. Quase sempre o vinho, mesmo o de guarda, ao ser colocado no mercado, já está em um bom momento. Os produtores do novo mundo, mais livres das amarras de leis e tradições, bem que poderiam seguir este exemplo positivo.
Mas a verdade é que, assim como os valores mudam de cultura para cultura e de tempos em tempos, a época certa para cada coisa também é um pouco relativa. Muitas de nossas avós e bisavós, para a alegria de boas e más famílias, casaram-se, aos catorze ou quinze anos, com bigodudos senhores na casa dos vinte e muitos ou dos trinta e tantos. Pedofilia da boa. Ser balzaquiana hoje ou no começo do século XX, definitivamente, são coisas bem diferentes.
E isso faz pensar naquela frase: "Fulana (ou fulano...) é como vinho, quanto mais velho, melhor." Ledo engano. Somente vinhos muito especiais são tão longevos. E mesmo estes, fatalmente, têm um horizonte finito. Em geral, são mais raros entre os brancos e mais frequentes entre os tintos e os generosos, a depender dos taninos, dos açúcares e do álcool.
O vinho, os livros não se cansam de ensinar, é algo vivo. Nasce, evolui e decai. Alguns vinhos ficam doentes. Outros com sorte são bem educados, conservados e apreciados. Alguns, raros, brilham intensamente. A maioria cumpre sua função. Já conhecemos este filme. Humano, demasiado humano.
Se há algo que o vinho pode ensinar é que, entre sua juventude e o declínio absoluto, sempre haverá quem o aprecie. Aí sim caberia a comparação com uma mulher. Há os fãs das ninfetas como há os apreciadores das maduras. Aquelas, como um vinho jovem, pela alegria, a facilidade e o descompromisso. Estas, pela complexidade e elegância.
O perfil do apreciador depende de vivência, formação e um bom tanto de gosto pessoal. É óbvio o quanto o gosto do crítico Robert Parker ajudou a formar um vinho de mercado. Não vai aqui uma crítica a isso. Siga-o quem quiser. Um tinto jovem, bem aromático, encorpado, alcoólico e frutado é, com certeza, mais palatável e até mais impressionante ao iniciante ou ao bebedor despreocupado. Que tranquilidade poder reconhecer aquele aroma de baunilha ou de frutas vermelhas de um tinto do novo mundo! A maciez que o alto grau alcoólico traz ao palato, assim como uma suave doçura, são um conforto inegável. Já um tinto que se abre aos poucos, revelando aromas mais complexos e muitas vezes pouco óbvios, pode interessar mais ao curioso com uma boa intuição ou a quem já viveu para ver o que vale ser visto e bebido, justamente pelo desafio.
A história sobre comércio e consumo de vinho está cheia de registros sobre o combate ao que podemos chamar de pedofilia enológica. Durante séculos, o que o homem procurava era acelerar o amadurecimento para amaciar os taninos. Convivíamos mais naturalmente com a morte e pensar em guardar uma boa safra para beber em 10 ou 20 anos não parecia uma coisa muito inteligente. Mas a tecnologia não permitia a produção de tintos para consumo muito jovem, como atualmente é possível. Hoje, o americano Robert Parker diz que nós consumidores comuns não precisamos mais de adegas. Devemos comprar os vinhos e bebê-los imediatamente. (Claro. Se os queremos jovens!)
O livro Os Sentidos do Vinho, de Matt Kramer (Conrad Editora), que inexplicavelmente passou meio desapercebido quando do seu lançamento por aqui, há uns dois anos, desmonta vários dos mitos sobre a longevidade e o amadurecimento dos vinhos. O autor enumera equipamentos inventados para tentar, através da vibração, "melhorar" safras difíceis. Fala de barricas dando volta ao mundo como lastro de navios ou sendo amarradas às pás de moinhos.
Toda essa reflexão me veio ao ler o editorial da ótima Revista de Vinhos, uma publicação portuguesa com mais de 20 anos de tradição. Ao concordar com Parker e seu "beba já" no caso dos vinhos na faixa dos 4 euros (preço português, que fique claro. Eu diria R$ 40, no Brasil), a revista faz uma grande crítica aos tintos de maior pretensão, lá pela faixa dos 20 euros. Diz: ¿Estes vinhos têm uma evolução mais complexa e, sobretudo, mais imprevisível. Começa por, hoje em dia, serem colocados no mercado muito rápido, por vezes ainda 'crus', 'embrulhados', pouco harmoniosos... Vendidos cedo demais, estes vinhos são, na maior parte dos casos, bebidos igualmente cedo demais. Mas quando o apreciador evita consumi-lo logo, e assume que o vinho merece algum descanso em garrafa, coloca-se de novo o problema: até onde ir?"
Neste ponto me parece que o modelo espanhol clássico é dos mais sensatos. Ao utilizar as categorias jovem, crianza, reserva e gran reserva, o produtor sinaliza, com mais ou menos precisão, dependendo da região, quanto tempo de espera em madeira (se for o caso) e garrafa cada vinho teve. Quase sempre o vinho, mesmo o de guarda, ao ser colocado no mercado, já está em um bom momento. Os produtores do novo mundo, mais livres das amarras de leis e tradições, bem que poderiam seguir este exemplo positivo.
Mauricio Tagliari
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