Numa escola pública na Barra Funda, frequentada por brasileiros e bolivianos, uma cena se repetiu quase diariamente no ano passado: a cada aluno estrangeiro que chegava, um brasileiro cobrava um "pedágio". Se não fosse pago, o boliviano inadimplente apanhava. O relato foi feito à Folha por João Carlos Cardoso, 17, ex-aluno da escola e integrante do projeto Plataformas dos Centro Urbanos, do Unicef, que divulgou ontem um levantamento inédito sobre a percepção de adolescentes e lideranças de comunidades populares sobre suas condições de vida. Segundo ele, a maioria dos alunos não percebia a discriminação. Esse não é um caso isolado. Conforme o estudo, 32% dos adultos avaliam como ruim ou péssimo o respeito à diversidade nas comunidades.
Realizado a partir de uma metodologia participativa desenvolvida pelo Instituto Paulo Montenegro (braço social do Ibope) -que fez dos próprios integrantes das comunidades entrevistadores- o estudo ouviu 2.148 pessoas de 55 comunidades (favelas, assentamentos, cortiços) de São Paulo e Itaquaquecetuba. Foram aplicados dois questionários sobre os mesmos temas (um para lideranças e outro para os jovens) com questões afirmativas com as quais os entrevistados poderiam concordar ou discordar. Quando deparados com a afirmação de que os episódios de racismo eram raros e combatidos, a maioria das lideranças discordou. Já a maioria dos adolescentes diz ser respeitada pelos jovens da comunidade.
"Os adolescentes mostram uma predisposição maior com o diferente. Mas isso não significa que eles não têm preconceito ou não excluem", observa Anna Penido, coordenadora do Unicef em São Paulo.
Cleber de Souza, 18, morador de Guaianazes, é um exemplo. Quando os colegas descobriram que sua família é espírita, virou alvo de chacotas. "Me chamaram de neguinho macumbeiro", diz o estudante. Quanto a participação dos adolescentes nas decisões da comunidade, 44% das lideranças avaliam como ruim ou péssima. Já entre os jovens, a maioria afirma fazer parte de ações para melhorar a comunidade e diz querer votar nas próximas eleições. Dos seis temas abordados com as lideranças (sobrevivência, aprendizagem, proteção contra HIV/Aids, violência, respeito à diversidade e prioridade em políticas públicas, e participação), o que teve pior avaliação foi a violência. Para 58% dos entrevistados, a segurança nas comunidades é ruim ou péssima; 32% acreditam que a situação piorou nos últimos dois ou três anos.
Leticia de Castro - Jornal Folha de S. Paulo
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