Tão variados como os sintomas do câncer – que vão desde pequenas feridas na pele à dor de cabeça sem fim – é a lista de causas da doença que mais cresce no mundo. Vira e mexe chega um e-mail trazendo a descoberta de mais um vilão capaz de aumentar em minutos o número de pacientes com câncer. Desodorante roll-on, água oxigenada e ondas emitidas pela rádio do Vaticano, pela antena do celular e pela tela do computador são só alguns exemplos de “causadores de câncer” que foram espalhados pelo mundo como verdades absolutas. A maior parte da associação do uso do objeto e/ou substância com a doença não tem o respaldo de pesquisas sérias. Na disseminação de lendas cancerígenas, afirmam os especialistas, nasce o fenômeno da “cancerofobia”, que pode afastar a população dos comportamentos seguros, de fato, e impedir as complicações dos tumores malignos.
“Qualquer comportamento fóbico (medo exagerado) provoca um efeito contrário daquele que esperamos”, afirma Maria Teresa Veit, psicóloga especializada em câncer, coordenadora da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale).
“O maior problema da fobia é que ela leva para postura irracional. Já vi casos de pessoas que pensam: ‘então, se tudo provoca câncer, eu nem preciso me cuidar’, o que não é adequado muito menos lógico.”
Outro efeito colateral creditado às correntes que espalham inverdades sobre o câncer é que o excesso de informações falsas faz com que as pessoas se preocupem com o que não é prioritário nem científico. Se por acaso alguém aderir ao hábito de tomar água oxigenada todos os dias por acreditar que a técnica previne tumores – conforme sugeriu um e-mail com as declarações de um suposto médico israelense – pode dar menos peso às orientações de parar de fumar e comer mais frutas e legumes, estas táticas sim já comprovadamente preventivas da doença, conforme endossa o Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Orkut, Twitter, Facebook e e-mails são hoje um terreno fértil para espalhar as pesquisas “sem dono” sobre o câncer. Mas mesmo antes da internet, o boca a boca já era suficiente para criar teorias conspiratórias e perigosas, que comprometiam o tratamento e o combate à doença. O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, Luiz Antônio Teixeira, que trabalha na Casa Oswaldo, fez um levantamento sobre como eram as propagandas contra o câncer entre 1920 e 1950. Já nesta época as autoridades de saúde enxergavam a necessidade de desmentir as correntes sobre a doença. “Cancerofobia! Só os ignorantes e nervosos têm medo de tudo na vida”, dizia um dos cartazes de 1940.
Segundo o pesquisador, nestes tempos, a população leiga acreditava que o câncer era doença contagiosa, que passava de pessoa para a pessoa. Existia ainda a figura do curandeiro e do charlatão, muito mais presente do que hoje, que exigia das autoridades de saúde uma estratégia de coibir as magias e simpatias tidas como infalíveis para afastar a doença.
“Hoje, embora existam estes mitos virtuais com o câncer, a população tem mais acesso à saúde, o que diminui muito o espaço do charlatão. O que acontece é que, via internet, as pessoas têm acesso a muitas informações. Mas nem toda informação agrega conhecimento, pelo contrário”.
A psicóloga Maria Teresa Veit acredita que são duas as explicações principais para o câncer permanecer no alvo dos mitos e lendas durante tantos anos. Primeiro, a palavra câncer é um nome genérico para muitas doenças, que se manifestam de formas diferentes e têm tratamentos em nada parecidos. Exemplo de antagonismos é o câncer de mama e o de próstata. O primeiro é majoritariamente feminino e tem como arma preventiva o autoexame e a mamografia. O segundo é um tipo masculino e prevenido com visitas ao urologista e com exame de toque.
O outro motivo é o fato do câncer ser uma doença diversificada e muitas vezes até misteriosa para a medicina. Como as pesquisas sobre as causas da enfermidade estão em constante andamento, o campo composto por descobertas diárias dá margem para os mitos florescerem.
Separar o “joio do trigo” é a dica para não cair nas informações errôneas sobre o câncer. A doença exige, sim, cuidados e a internet é um bom território para conseguir informações sobre o problema de saúde que só este ano deve fazer 489.230 novas vítimas, segundo o Inca. “Os médicos têm de estar preparados para responder as dúvidas que nascem no meio virtual. Além disso, é fundamental para as pessoas que recebem informações checarem muito bem quem são os autores e a veracidade do que está escrito”, completa Veit. “Quanto mais educação sanitária, menos espaço para os mitos”, completa o pesquisador Teixeira.
Reportagem de Fernanda Aranda, para o iG São Paulo
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