"Quereis ser médico, meu filho? Esta é a aspiração de uma alma generosa, de um espírito ávido de ciência.
Tens pensado bem no que há de ser a tua vida?"

- Esculápio -

domingo, 29 de novembro de 2009

Tarja preta: dose, remédio ou veneno?

Interessante reportagem publicada neste final de semana no Diário Catarinense, realizada pela repórter Ângela Bastos, falando sobre o avanço das medicações de "tarja preta" no mercado farmacêutico brasileiro:
— Doutor, quero que o senhor me receite Rivotril.
— Por que você quer Rivotril? — pergunta o médico.
— Porque preciso estudar e passar em um concurso público.
O cenário é o consultório do psiquiatra Marcos Zaleski, em Florianópolis, especialista em dependência química pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e mestre em Psicofarmacologia no Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
— Não sei se tenho alguma doença. Insônia, sim. Uma colega de trabalho me deu Rivotril e foi ótimo.
O espaço é o balcão de uma loja no Bairro Kobrasol, em São José, na Grande Florianópolis. A atendente conta que a medicação devolveu-lhe a sensação de relaxamento, pois, mesmo depois de horas no MSN (programa de conversa simultânea pela internet) rolava na cama e não conseguia dormir. Como a caixinha do remédio terminou, foi consultar com a mesma médica da amiga. Argumentou problemas pessoais, em família e no trabalho. Conseguiu o que queria:
— A médica perguntou se eu já havia tomado algum remédio. Disse que não, mas que minha tia tomava Rivotril e que todo mundo notava melhoras nela.
No bairro Prainha, em Florianópolis, o assunto é parecido:
— Os filhos crescem e a gente não descansa enquanto não voltam para a casa. Só mesmo com calmante para se aquietar — conta a mulher, que toma a medicação receitada por uma médica do SUS.
Rivotril é o remédio da moda. Um tranquilizante do grupo dos benzodiazepínicos, usado para controlar a ansiedade. Está na ponta da língua de pessoas que utilizam algum medicamento tarja preta. Precisem deles ou não. Uma pesquisa do Ministério da Saúde aponta que o Rivotril é o segundo medicamento mais vendido no Brasil. A Secretaria de Estado da Saúde não tem levantamento sobre o consumo dos remédios com tarja preta no Estado. O órgão repassa valores de acordo com as exigências dos municípios, por meio da Assistência de Saúde Básica, e cada um tem autonomia para a compra dos medicamentos. Com mais de 20 anos de experiência no ramo, o médico Marcos Zaleski reclama:
— O profissional se pergunta o que está fazendo ali. O paciente acha que sabe o que tem e vem de casa com o nome da medicação.
Inversão de papéis, onde o médico deveria primeiro ouvir o paciente para depois dar o diagnóstico e recomendar o tratamento, é cada vez mais comum. Repete-se do consultório sofisticado ao centro de saúde da periferia. Na antessala do consultório ou na fila do SUS, outra conclusão: o paciente também se apoderou de expressões antes restritas à classe médica. Não importa se tem o curso superior ou séries primárias. O vocabulário inclui termos como fobias, ansiedade, pânico, déficit de atenção e transtornos mentais. A questão tornou-se mais evidente a partir dos anos 1990, quando os assuntos do cérebro romperam as barreiras científicas. Exames como ressonância magnética começaram a alimentar os pacientes com novas informações. A medicina mostrou às pessoas o que estava dentro de sua caixola. Fez mais: explicou a elas o efeito que determinada droga causa em algumas regiões do cérebro.
Houve outras mudanças. O modelo antes chamado simplesmente de loucura, passou a ser visto de forma diferente, como doença mental. Até os anos 1980, o psiquiatra era visto quase como um não-médico. Hoje, é comum um vestibulando dizer que fará Medicina para se dedicar à psiquiatria. É bom que façam isso. Previsões da Organização Mundial da Saúde indicam que a depressão, por exemplo, afeta 120 milhões de pessoas no mundo. É considerada a quarta enfermidade mais incapacitante. Um estudo feito em 1996 indicou que, em 2020, será a segunda doença entre a população, perdendo, apenas, para doenças isquêmicas do coração.
Mas não dá para esquecer de Paracelso. Médico e alquimista suíço, Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim avisou: a dose certa diferencia um veneno de um remédio. Já a psiquiatra Letícia Maria Furlanetto, professora no Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina, sugere cautela:
— A questão nem é tanto a dose. Mas que exista um profissional para receitar, acompanhar e suspender o uso quando necessário. Fora disso, diz, a banalização é um demônio.
O que são as tarjas
* Tarja preta: informa que o medicamento é de alto risco, não pode ser consumido sem prescrição médica. A venda deste tipo de medicamento deve ser obrigatoriamente com a apresentação da receita médica.
* Tarja vermelha: de menor risco, embora também seja vendido apenas com receita médica. Não representa risco de vida, mas apenas de efeitos colaterais.
* Sem tarja: pode ser vendido sem a apresentação da receita médica, mas o consumidor deve manter os cuidados recomendados para os demais medicamentos.
A escalada do ansiolítico no Brasil
Em 1998, o ansiolítico da época, o Lexotan, estava em sexto no ranking dos mais vendidos. Dez anos depois, o Rivotril aparece em segundo lugar.
1998
1 - Cataflam (analgésico e anti-inflamatório)
2 - Novalgina (analgésico e antitérmico)
3 - Hipoglós (pomada contra assaduras)
4 - Neosaldina (analgésico e antiespasmódico)
5 - Voltaren (antirreumático, anti-inflamatório e analgésico)
6 - Lexotan (ansiolítico)
7 - Redoxon (vitamina C)
8 - Buscopan Composto (antiespasmódico e analgésico)
9 - Sorine (descongestionante nasal)
10 - Vick Vaporub (unguento descongestionante)
2004
1 - Microvlar (anticoncepcional)
2 - Neosaldina (analgésico e antiespasmódico)
3 - Hipoglós (pomada contra assaduras)
4 - Buscopan Composto (antiespasmódico e analgésico)
5 - Novalgina (analgésico e antitérmico)
6 - Rivotril (ansiolítico e anticonvulsivante)
7 - Tylenol (analgésico e antitérmico)
8 - Cataflam (analgésico e anti-inflamatório)
9 - Neovlar (anticoncepcional)
10 - Luftal (antigases)
2008
1 - Microvlar (anticoncepcional)
2 - Rivotril (ansiolítico e anticonvulsivante)
3 - Puran T4 (hormônio tireoidiano)
4 - Hipoglós (pomada contra assaduras)
5 - Neosaldina (analgésico e antiespasmódico)
6 - Buscopan Composto (antiespasmódico e analgésico)
7 - Salonpas (analgésico e anti-inflamatório)
8 - Tylenol (analgésico e antitérmico)
9 - Novalgina (analgésico e anti-inflamatório)
10 - Ciclo 21 (anticoncepcional )
Fonte: Ministério da Saúde

2 comentários:

Eliezer disse...

Adorei a reportagem, "Jefe"! Muito oportuna! Abraços!

Anônimo disse...

Puxaaaaaaaaaaaaa!!! Estamos em terceiro lugar!!! (Puran)




Luiz Fernando Wanssa.